Meio ambiente e a tentativa de privatização da Eletrobras

Meio ambiente e a tentativa de privatização da Eletrobras

É um erro entregar o controle estratégico de importantes bacias hidrográficas, com todas as suas implicações para abastecimento de água, irrigação e navegação, para interesses privados e estrangeiros. Essa é a conclusão de um estudo publicado no dia 4 de junho na revista Carta Capital.

A Eletrobras é um grande instrumento para aplicação de políticas públicas. Por isso, suas ações refletem as políticas de governo nos seus erros e acertos, nas suas contradições.

A Eletrobras foi e continua sendo fundamental para ampliação do parque eólico brasileiro, que tem o mais importante programa de estímulo à economia de energia (Procel) e que é fundamental para levar energia aos locais mais ermos do país.

Nada disso importa a um governo que recusa cuidar do seu povo, preferindo deixar a pandemia solta no país. Como não se importa com os interesses do povo brasileiro, Bolsonaro quer abrir mão desse potente instrumento de promoção de políticas públicas e deixar a população totalmente refém de empresas privadas, que respondem univocamente à lógica do lucro.

Na outra ponta temos a questão do meio ambiente. O desmatamento da Amazônia, problema antigo mais intensificado no governo Bolsonaro, tem impacto direto sobre a atual estrutura da oferta de energia elétrica. No Brasil, cerca de 65% da oferta de energia elétrica está baseada em hidrelétricas, cujas usinas dependem das vazões dos rios. Importantes usinas hidrelétricas estão localizadas nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Nordeste. O nível e a vazão dos rios dessas regiões dependem da umidade formada na Amazônia que se desloca para essas regiões, formando os chamados “rios voadores”.

De acordo com o Observatório do Clima (OC), se for considerada a média dos dez anos anteriores à posse de Bolsonaro, o desmatamento cresceu 70%. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apurou uma média anual de 6.500 quilômetros quadrados de 2009 a 2018.

E o desmatamento impacta o ciclo hidrológico responsável pelas chuvas e pela regulação do clima em grande parte do país. Entre as muitas consequências ruins do desmatamento está a menor vazão de alguns rios.

A capacidade de geração de energia em muitas hidrelétricas já sofre o impacto da redução da quantidade de água que chega aos reservatórios. Basta ver que o nível de água em hidrelétricas do Sudeste e Centro-Oeste ficou abaixo da média histórica pelo quinto ano consecutivo.

Conforme estudo publicado na Revista Carta Capital, o modelo do setor elétrico brasileiro, vigente desde 1995, privilegia os grandes consumidores de energia e os especuladores. Estes, desde o início de sua vigência, pagaram um valor entre 25% e 30% menor (em média) pela energia elétrica. Isso, na prática, significa que se os consumidores residenciais pagaram 300 reais por MWh, indústrias, shoppings e outros grandes consumidores pagaram 225 reais pela mesma quantidade de energia elétrica.

De acordo com o estudo, a pressão para a privatização da Eletrobras vem crescendo junto com esse aumento da geração térmica cara e com os preços da energia, ainda que esses fatores não estejam relacionados. Isso se dá porque o preço da energia para os grandes consumidores começou a se aproximar do preço cobrado dos consumidores. Então, os porta-vozes dos bancos e grandes consumidores viram na privatização da Eletrobras uma chance para tentar ampliar novamente o diferencial de preços entre os mercados, ainda que isso acarrete no aumento do preço praticado aos consumidores residenciais. Isso se traduz no item presente na proposta de privatização que pretende retirar a energia elétrica que a Eletrobras vende hoje a preços reduzidos do mercado residencial para colocá-la à venda no mercado exclusivo onde atuam apenas os grandes consumidores e os especuladores.

Assim, a privatização da Eletrobras significaria também uma forma de tentar reduzir os preços de energia para indústrias, shoppings e bancos à custa de um aumento de preços para o consumidor residencial.

O estudo mostra ainda que muitas das indústrias que se beneficiam desse processo são altamente poluidoras, como as de alumínio, celulose e as siderúrgicas. E traz importantes reflexões:

Será que devemos priorizar o consumo de indústrias, shoppings e o lucro de bancos (comercializadoras) ao invés do consumo residencial? Será que podemos (e devemos) abrir mão de um importante instrumento de políticas públicas para o setor elétrico como é a Eletrobras em nome do lucro dessas empresas e em detrimento dos consumidores residenciais?

Será que devemos entregar o controle estratégico de importantes bacias hidrográficas, com todas as suas implicações para abastecimento de água, irrigação e navegação, para interesses privados e estrangeiros? Claro que não!